22:22 - Espera*
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Quadro: At the Lapin Agile. Pablo Picasso. 1905. MetMuseum. |
Abrir a porta é um gesto mecânico, involuntário. E quando o denso material abre trazendo a luz de fora, que inunda recantos e paredes, a alegria de uma visita me enche de alegria e de uma satisfação incomensurável, distinta, linda. Alegria transpira pela minha pele e chega em um sorriso escancarado para alguém que não veio e que parece não vir.
A porta abriu-se para uma esperança. A
luz entrou sem licença e trouxe consigo só mais um estado de espera cuja
alegria desvaneceu-se nos tantos momentos de expectativa. Mas você não veio,
nem mandou avisos de impedimentos. Por que você faz isso?
Quando a noite vai chegando e o ocaso
aparece para trazer o descanso de um dia intenso, ou preguiçoso, espero para
contar-lhe todas as minúcias que ocorreram no trabalho, ou nos sonhos. Faço
café para uma boa conversa. Compro o pão quente na padaria lotada antes de
chegar e peço para que nada aconteça nos minutos do fim de tarde, para que nada
nos atrapalhe. Desligo os celulares e desconecto a internet. Perfumo a casa e a
mim. E espero. Espero. Espero. Espero. Espero. E espero mais um pouco.
Mas, então, a noite está densa, fria e o
café esfriou, o pão enrijeceu e o perfume acabou. E você não pode chegar e
parece não ligar. E por que ligaria? Todos os dias tem ocaso. Todas as tardes
têm pães quentes na padaria. Todas as manhãs têm café, em pó, esperando para
ser cozido.
Tudo bem.
Não tem problema se seu trabalho puxa
para uma hora extra na hora de ir para casa. Não há empecilhos no sono do
aguardo que me embala ao som dos ruídos de carros, portões batendo e cachorros
latindo ao passar mais um desconhecido. Não tem problemas nos problemas que
tantos veem por ruas e esquinas. Não tem discussão na chegada tardia, mas
também não tem nada além.
A mesa está posta. Os celulares ligados.
A casa está sem silêncio e eu ainda estou esperando.
*Do livro Pavilhão do Vizir,
Rafael Rodrigo Marajá